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Estrelas: lembranças das Mães ausentes - Por Neila Barreto


Mãe é um ser humano imprescindível para as nossas vidas. Presente, ela nos traz carinho, aconchego, ternura, paz, conselhos e tudo de bom que a vida nos proporciona. Porém, quando elas partem, em cada um de nós fica um vazio, um sopro de saudade, uma angústia que nos perturbam nas horas mais difíceis.


Para homenagear a todas as mães que já partiram do nosso convívio fomos buscar as memórias de Melânia Ximita da Cunha, carinhosamente Ximita, para representar essas mães, em lembranças de mães ausentes.


O seu desejo era que eu registrasse as suas memórias. Com vagar estava construindo o seu desejo. Foi em uma das festas de São João, organizada pela AFFEMAT, associação de servidores da Secretaria de Estado da Fazenda, em Mato Grosso, onde Ximita era associada, que comecei a gravar alguns minutos da sua fala. Tive muita sorte, porque dias depois, ela partiu para o céu. Uma pequena lembrança ficou. Vamos aqui beber as suas doces e divertidas memórias. Aqui registro esses momentos, em homenagens a essas mães ausentes.


“Nasci em 09 de junho de 1931, de uma gestação de 7 meses em Cáceres (MT). Com dois anos de idade a minha mãe faleceu. Sou filha de Luiz Amâncio da Cunha, que era estafeta em Cáceres e, fazia o trabalho, também, em Vila Bela da Santíssima Trindade (MT). Na aquela época, o trabalho era feito no lombo de burro ou de boi, não havia carro motorizado por aquelas bandas, avião só do exército. Minha mãe era Gertrudes Francelina da Cunha. Quando ela faleceu, a minha irmã Cândida Francelina da Cunha, que havia casado em Cuiabá (MT) com o Telegrafista, Vital Batista Ribeiro, que era meu cunhado e meu padrinho, criou-me, após a morte da minha mãe, porque ela era a mais velha. Antigamente era assim, a irmã mais velha sempre cuidava dos menores. Hoje, ela também, já é falecida.


Como eu ainda era um bebê e meu pai precisava trabalhar, certo dia, “ele me pegou, me enrolou em dois cobertores seca poço e me colocou no lombo do cavalo, com 7 meses de idade, rumo à Vila Bela da Santíssima Trindade. Como eu parecia um ratinho de pequena, ele não quis me apertar. No meio do caminho, ele percebeu que eu não estava mais no lombo do cavalo. Então ele exclamou! Perdi minha filha, lembra Ximita. Cadê a minha filha! No lombo do cavalo havia apenas um cobertor. Na verdade, somente o cobertor de dentro havia escorregado e, eu fui junto, sorriu Ximita. Ele retornou e me encontrou no meio do campo, dormindo serenamente entre a coberta. Ele se assustou porque por ali era caminho de índios e havia onça. Então minha filha, se referindo a esta historiadora, se naquela época, índio e onça, nada disso me comeu, agora o povo que quer me comer desse jeito, não tem jeito, brincadeiras de Ximita. (risos)”. Ela era assim, ora séria, ora cheia de histórias!


“Meu pai contou-me esse fato, ainda quando eu era menina. Nunca esqueci! Está presente até hoje em minha memória. Fiquei até 4 anos de idade em Vila Bela da Santíssima Trindade e, depois vim para Cuiabá, com 5 anos, na companhia da minha irmã e do meu cunhado. Eu me lembro de tudo que aconteceu comigo desde os 8 anos de idade, afirmou Ximita. Só fui morar em Várzea Grande (MT) porque casei com várzea-grandense, o coronel Antônio Gerônimo de Figueiredo, que era papa banana, do município de Nossa Senhora do Livramento (MT). Estudei no Asilo Santa Rita, em Cuiabá. Fugi com 16 anos da fila da procissão da igreja para casar com o meu marido, que era Tenente da Polícia Militar, e fui morar em Várzea Grande”. Naquela época ele já era desquitado, mas eu não sabia. Fazer o quê? Tudo já estava feito.


Naquela época, Gonçalo Ramon de Figueiredo, o primeiro prefeito nomeado de Várzea Grande, sobrinho do governador, à época, Arnaldo Estevão de Figueiredo, era tio do meu marido também. Aí, como meu padrinho ficou muito bravo, mandou um recado para o meu marido assim: “quando eu encontrar com vocês “capim não nascia”. Como entendi o recado, o governador mandou nos levar para Corumbá (MS), de avião do exército, porque naquela época não havia avião de carreira e, nem aeroporto. Lá, o meu marido foi nomeado comandante do batalhão da polícia Militar de Corumbá. Fiquei dois anos em Corumbá e, depois fui para Campo Grande (MS). Nesse tempo meu marido já era Major.


Depois disso, teve um movimento na política mato-grossense e meu marido foi transferido para Bonito (MS). Nesse período é que houve a matança entre os paraguaios. Os paraguaios meteram bala no quartel da polícia. Mataram muitos militares. O período a que Ximita se refere, possivelmente, seria o período da guerra do Paraguai, talvez!


Quando cheguei a Bonito, com mais ou menos 18 anos, o quartel era de tábua. Os presos eram amarrados junto aos pés de goiabeiras com corrente nos pés. Eu chorava muito em presenciar aquela situação, por ser temente a Deus. Então, eu falei para meu marido, o que vamos fazer com essa situação. Naquela época eu já estava grávida. Eu disse a ele que não aceitava ver preso amarrado. Então meu marido pediu para o prefeito de Bonito na época e, o prefeito mandou construir um “xadrez” para os presos. Morei em Bonito por 2 anos, depois vim para Campo Grande (MS), onde o irmão do meu marido era comandante. Na verdade, morei em Campo Grande umas três vezes. Tantas idas e vindas!


Aí teve uma revolta em Dourados (MS) e meu marido foi mandado para lá. Logo depois morei em Nioaque (MS), Guia Lopes da Laguna (MS), Jardim (MS). Com tantas andanças já vi muitas coisas. Por isso, eu falo: antes o roubo era escondido, hoje ele é declarado, confidenciou Ximita. Dr. Estevão morreu embrulhado no cobertor seca poço. Antes era assim! Ximita nos faz entender que políticos de antigamente morriam muito pobres, a exemplo do Dr. Estevão, o Ex governador do Estado de Mato Grosso.


Em 1955, eu já morava em Várzea Grande. Eu era professora e, no interior trabalhava como escrivã do meu marido. Entrei na Secretaria de Fazenda no início do governo de Júlio Campos. Fui supervisora de alimentação escolar do município de Várzea Grande e fui trabalhar com a professora Sarita Baracat de Arruda. Eu não era do lado da política dela, mas ela reconheceu o meu trabalho, exclamou Ximita! Sarita era assim! Somos comadres. Sou madrinha de Ernandes Baracat de Arruda, o Nico, também, já falecido. Ela me mandou fazer um curso em Belo Horizonte (MG). Foi a única da prefeitura que ganhou prêmio pelos serviços prestados. Ganhei a vaca mecânica que fazia leite quente, morno, e o macarrão. Foi daí que Renato Gattas tirou a ideia e criou a Rei Massas macarrão, em Cuiabá.


Com 17 anos eu já era mãe. Tive 5 filhos: Paulo Justino de Figueiredo (falecido), Amilton Gerônimo de Figueiredo, Janete Arcângela de Figueiredo, Dalva Luiza Figueiredo Couto e Rosemeire Angélica Figueiredo Tavares. Ximita informou que tinha um rascunho de anotações de suas memórias, no entanto, ficou triste porque na época que foi viajar para Europa, as anotações foram roubadas de sua casa. Será!


Sobre as festas de São João da AFFEMAT disse adorar os momentos de alegria. Encheu de satisfação em dizer que foi a primeira conselheira da associação e, demostrou muita felicidade quando se referiu à administração do colega Enéas Cardoso. “Ajudei muito Enéas (Gringo) mora no meu coração”, confidenciou Ximita, hoje, também já falecido.


Já fui rainha da Festa junto com João José Ribeiro Taques, foi a primeira conselheira do clube da AFFEMAT na gestão do Gringo. Sou da diretoria da DAP (Diretoria dos Aposentados) e, hoje a festa está uma beleza, mas antigamente era mais bonita, penso que é por causa das coisas do tempo, antes nada era terceirizado, agora tudo é moderno. Prefiro as festas de Enéas. Eram mais de devoção, mais proximidade, tudo era feito em conjunto, a banda com as modinhas antigas, gostosa de ouvir. Hoje é muito barulho e muito modernismo. Ninguém escuta ninguém.


No dia 15 de novembro de 2012, Ximita nos deixou e, com ela, também, se foram suas lembranças e suas memórias. Ficamos órfãos de aprender mais sobre as histórias das mulheres mato-grossenses. Quem sabe, um dia, esse alguém de posse do seu caderno, com as suas memórias possa devolver, para que possamos completar os seus pensamentos e satisfazer o seu desejo, ou seja, deixar registrada a sua experiência de vida. Descanse em paz, amiga.


Agora no céu, como uma das estrelas, como um sol, como uma lua junto a minha Mãe e as Mães de muitos brasileiros e brasileiras, mato-grossenses, várzea-grandenses, cuiabanos, rendemos as nossas homenagens às essas brilhantes mães estrelas que reluzem no céu, lembrando Cora Coralina: “Lua-Luar - Escuto leve batida. Levanto descalça, abro a janela devagarinho. Alguém bateu? É a lua-luar que quer entrar”, é você mãe que vem me acalentar!".


(*) NEILA BARRETO SOUZA BARRETO é jornalista, escritora, historiadora e Mestre em História e escreve às sextas-feiras para HiperNotícias.

E-mail: neila.barreto@hotmail.com

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