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Cuiabá na madrugada: “na periferia, a cidade é amarela; no centro, ela é branca”

Fotógrafo Rodolfo Luiz relatou em imagens muito mais que diferenças meramente estéticas entre regiões centrais e periféricas



Apesar de Cuiabá ser reconhecida pela vida noturna – de certa forma, agitada –, pouco se sabe sobre sua madrugada em quase 300 anos de história. E foi na intenção de desvendá-la que o fotógrafo Rodolfo Luiz, 23 anos, morador do bairro Três Barras, decidiu documentar, em uma espécie de diário audiovisual, impressões e vivências das primeiras horas do dia de sua cidade natal.

O cenário do filme, no entanto, não são grandes avenidas e está distante do que se vê nas fotografias e filmagens “oficiais”. “Essa não é minha realidade. Eu escolhi retratar bairros como o meu e lugares que frequento no Centro e no Porto. Lugares que não aparecem na ‘Cuiabá 300’. A minha Cuiabá é uma Cuiabá escura”, revela Rodolfo.


O projeto, em fase de finalização, será apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso em Radialismo na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Dificuldades como o acesso a informações de órgãos públicos, alteraram o percurso do trabalho que, por outro lado, acabou indo ao encontro de muitas de suas vivências como fotógrafo em busca de uma assinatura original.


“Sempre fui muito sozinho e vivi a madrugada. Gosto da madrugada, fotografo na madrugada e respiro isso. Comecei a fotografar a madrugada com câmera analógica por questões de segurança e sempre gostei muito do resultado. Fotografei festas que eu ia, lugares que eu passava, personagens da madrugada e me identifiquei”.

Além de referências, Rodolfo também identificou um sentimento de melancolia na madrugada. Para ele, reflexo do abandono dos espaços públicos e da discrepância estética entre regiões centrais e periféricas. “Se você olha a periferia, a cidade é amarela. Se você olha o centro, ela está ficando branca”.


Cuiabá branca versus Cuiabá escura


“Na verdade, o meu documentário começou quando, independentemente da madrugada, eu pensei na iluminação. Percebi como a paisagem da periferia é diferente daquela do Centro e das grandes avenidas. A iluminação da periferia é muito mais precária e a mudança da luz amarela para a luz de LED altera a estética e, consequentemente, o imaginário sobre a cidade”.

Diferentemente dos bairros periféricos, Rodolfo percebe que os projetos de iluminação e modernização sempre chegam primeiro às grandes avenidas, bairros nobres e monumentos.

À propósito, ele descobriu, através do livro “Memórias do Cinema de Mato Grosso”, do pesquisador Luiz Borges, que a primeira iluminação elétrica da cidade chegou a Praça Alencastro. Até então, as lâmpadas funcionavam através da queima de banha de Pacú, à época, peixe abundante em Cuiabá. Não se sabe até quando essa técnica durou, porém, a mudança, que enfrentou resistência, representou um processo de modernização da capital.


Mesmo na região central da cidade, o fotógrafo ressalta que as desigualdades sociais atualmente se mostram em picos de luz e vácuos escuros, além da diferença entre o amarelo e branco.

“Na avenida Mato Grosso, por exemplo, a iluminação é totalmente de LED e na mandioca é amarela. Isso no filme mudou, mas quando a imagem se desloca entre esses dois lugares, é bem impactante. Mesmo com a iluminação amarela antiga do Centro Histórico, a região da Praça da Mandioca é iluminada. Já no Três Barras, você vê um poste de luz amarela intercalada com um vácuo preto. Preto, amarelo, preto… e por aí vai”, conta.

De acordo com Rodolfo, a mesma coisa acontece em picos de escuridão como o Beco do Candeeiro, local marcado pela ocupação de pessoas em situação de rua e dependentes químicos. “Em volta é claro, mas beco é escuro”. Ali, assim como nos bairros “amarelados”, é como se o “progresso” não houvesse chegado.


O som da madrugada

Em seus registros, Rodolfo Luiz também busca identificar os sons da madrugada. Para isso, ele captou imagens em diferentes dias da semana, entre 1h e 4h. Desse modo, ele percebeu que a madrugada é predominantemente silenciosa, mas também tem seus picos de ruído.

O fotógrafo conta que o início da semana é muito mais silencioso que nos fins de semana. Mas a sonoridade presente nas ruas também varia bastante de acordo com a região da cidade, assim como a iluminação.

“É totalmente diferente. De sábado para domingo, quando os sons são mais intensos, eu deixei a câmera gravando na frente de casa durante 3 a 4 minutos, era só o barulho dos grilinhos. Em certo momento, eu comecei a escutar um som de grave vindo de uma caminhonete que logo diminui assim que se afasta.

Ele relaciona essas características com a falta de políticas públicas e investimento cultural nos bairros periféricos. “A madrugada é viva, mas respira com ajuda de aparelhos”.


Sensação de insegurança


Para Rodolfo, a luz e o som estão diretamente relacionados com a sensação de segurança na cidade. Desse modo, ele conta que o Centro e até mesmo as ruas mais desertas do Porto parecem mais seguras que as periferias.

“Quando você sai de casa, geralmente deixa uma luz ligada para pensarem que tem alguém lá. Minha mãe costumava colocar uma panela na porta de casa na madrugada para caso alguém abrisse, a gente escutar. Essas situações acontecem num âmbito privado, mas imagina isso no macro…”

“Onde não há iluminação, não há segurança pública. Certa vez lendo um texto que um estudante de filosofia me indicou, li que onde há luz, há cultura e onde há cultura, não há criminalidade”, reflete o jovem.


Noite cuiabana versus madrugada


Reflexo da sensação de insegurança, Rodolfo se encontrou com poucas pessoas na rua durante suas andanças na madrugada: “Um dia fiquei 10 minutos parado no Porto, numa quinta para sexta, e não vi ninguém. Nenhum barulho, nada”.

“Não aparecem pessoas no documentário, só uma mulher de costas no Beco do Candeeiro. Até assustei quando ela passou sem olhar para trás. Só virou quando entrou no breu”, relata o fotógrafo.

A sensação de melancolia e abandono nas ruas da cidade, especialmente nas periferias, contrastam o imaginário de vida noturna agitada na capital. Para Rodolfo, o movimento existe, mas ainda é restrito a poucos locais.

“Cuiabá tem pontos de vida noturna, não é a cidade inteira. Madruga você vai ver bares em regiões mais movimentadas, mas ainda são pontos né? Ainda assim, o entorno será escuro. A gente consegue separar Cuiabá da madrugada e Cuiabá noturna”.


Efeito feira” versus redes sociais


Rodolfo acredita que essa diferença entre noite e madrugada também seja consequência do atual contexto tecnológico. “Quando eu era mais novo e não tinha redes sociais, eu ia para feira do bairro e me lembro que ali era o ponto de encontro dos jovens. Hoje você vai na feira, compra sua verdura, como seu pastel e vai para casa. Até as pessoas mais velhas ficam mais no telefone, não mais na porta de casa”.



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