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Ruas de Cuiabá: Rua Cândido Mariano – Porque? – Por Nilza Queiroz – Segunda e última parte


Em 23/12/1889, Cândido Mariano da Silva Rondon fora nomeado como Ajudante na Comissão Construtora de Linhas Telegráficas de Cuiabá a Araguaia – Estado de Mato Grosso -, chefiada pelo major Antônio Ernesto Gomes Carneiro, que necessitava de um ajudante mato-grossense, uma vez que, o titular, capitão Manoel Caetano de Faria Albuquerque – também de Mato Grosso -, candidatara-se a uma cadeira de deputado.


Gomes Carneiro ficou entusiasmado com a indicação de Cândido Mariano, mato-grossense, classificado em 1º lugar na Escola, o qual fora desligado da Escola Superior de Guerra em 08/01/1890, com o título de engenheiro militar e o diploma de bacharel em matemática e ciências físicas e naturais; ato contínuo foi promovido a 2º Tenente de Artilharia.Nesse posto ficou somente três dias, havendo sido promovido a “1º Tte. do Estado Maior de 1ª Classe, por relevantes serviços”. Essa promoção foi sugerida pelo engenheiro militar Serzedelo Correia que, em vibrante discurso, indicou-o ao posto imediato, a todos que tomaram parte no “15 de Novembro”; propôs, também, que, de tenente-coronel, fosse Benjamin Constant promovido a general e, Deodoro, a generalíssimo.


O trabalho de Cândido Mariano da Silva Rondon na Comissão Cuiabá/Araguaia, pode ser considerado uma epopeia – grande e heroico! Senão, vejamos:


Não deixava cair o ânimo dos seus subordinados e, como maior preocupação, adotava a seguinte ordem: “Antes de tudo o soldado; o chefe fica com as sobras”.

Como conhecia muito bem o sertão, tirava o possível da Natureza e, assim sendo, ordenou ao Sargento: “vamos fabricar açúcar, convoque homens suficientes para derrubar alguns buritizeiros, de cuja seiva faremos melado; o buriti é conhecido, também, como “árvore da vida”, porque nos fornece ótimo palmito, valorosa seiva, além de frutos”.


No tronco do buriti fizeram cortes triangulares, suficientes para extrair a seiva que jurou com abundância, enchendo dois baldes; em seguida, fora levado ao fogo – em um tacho – para ferver, até se transformar em grosso melado que, provado, estava saborosíssimo! Com essa providência, podia se adoçar o chá de douradinha (maurícia vinífera) dos componentes da Comissão.


Para melhorar o cardápio, Cândido Mariano, com sua infalível pontaria e como apaixonado caçador, acertava um jacu ou um mutum.


A comida estava escassa e teve dias que, no jantar, só tinham uns pedacinhos de carne-seca e uma marreca; a farinha se acabaria em dois dias; a salvação foi o caitetu – em número de dois -, que os cachorros mataram.


Saíram do Pantanal e atravessavam capões de uauaçu, quando deparam-se com uma vara de queixadas; conseguiram matar cinco e prepararam carne-seca e moqueada, com essa caça, espécie de porco do mato.


Frequentemente, os membros da Comissão comiam cobras, macacos e até lobos, por falta de carne-seca com farinha ou de melhor caça. Só não comeram urubu, porque o chefe, Cândido Mariano, também não comeu aquela galinha preta, cujo fedor, ao cozinhar, era nauseante!


No sertão de Mato Grosso podem contar com mel de “manduri”, da “tatá”, da “uruçu”, da “bojuí”, o qual pode ser considerado poema de perfume e sabor, de que não podem fazer ideia os que só conhecem o mel “apis melífica”.


A Comissão, portanto, contava com mel e palmito, abundantes, na alimentação dos seus membros: além disso, era circunstância acidental.


Nos lugares habitados, por onde a Comissão passava, seus componentes eram muito bem recebidos, por humildes sertanejos, como sempre acontece entre os mato-grossenses simples.


Cândido Mariano fora informado da captura de um soldado que deserdara e da fuga de dois outros. Resolveu pedir ajuda na aldeia de caça do Chemejera Oarine-Ecureu; atendeu-o, prontamente, pondo à disposição da Comissão, sete índios. Em Santa Luzia, Cândido Mariano assistia ao trabalho dos índios em chalanas… “só eles teriam podido realizar tal façanha – o transporte de tão pesado material através do imenso pantanal -, mesmo porque só eles o conheciam a fundo”.


Quando Cândido Mariano se encontrava em Corumbá, recebeu carta do Frutuoso da Silva Rondon; graças à sua bondade, pode seguir a carreira militar e organizar sua adorada família; suportou a dor e pode continuar a cumprir seu dever, com resignação e energia.


Num trabalho de levantamento de postes, dirigido pelo Alferes-aluno Francisco Bueno Horta Barbosa, este fora sacrificado quando, o devotamento no cumprimento do dever, levou-o à morte trágica. “Tendo-se dado, nas águas de uma baía próxima do Saram, o extravio de um dos poetes que estavam sendo arrastados por meio de carretão, deixou ele algumas praças incumbidas de retirar o poste do fundo da baía e foi, pessoalmente, verificar quantas estacas estavam ainda sem poste”. Como até o escurecer ele, Francisco Bueno, não havia retornado, deixaram para o dia seguinte, as buscas na corixa do Saram, que estava completamente cheia. Avistaram, bem próximo, o muar – montaria do desventurado oficial -, pastando tranquilamente, tendo somente o cabresto, pois, os arreios estavam submersos. Finalmente, encontraram no fundo do Passo da Corixa Saram, o esqueleto do brilhante alferes-aluno Francisco Bueno Horta Barbosa, devorado pelas piranhas (pequenos e voracíssimos peixes), permanecendo as pernas, somente na parte protegida pelas botas: o esqueleto estava limpo!…


Cândido Mariano providenciou inquérito para apurar a causa do triste falecimento…; o pesar o invadia e não podia conter as lágrimas, aliás, todos os membros da comitiva ficaram consternados (…); percebia-se lágrimas nos olhos de muitos daqueles homens, enrijados pela vida do sertão. Reconstituindo a tragédia, tendo à frente o próprio Cândido Mariano, era necessário transpor a Corixa do Saram, mesmo com o Pantanal cheio; o oficial encarregado da travessia, não sabia nadar, sendo substituído pelo Francisco Horta, que se ofereceu para trocar o serviço.


Os soldados seguiram na frente, na canoa, que levou, também, o soldado que não sabia nadar. Posteriormente, seguiu Francisco Horta e, no meio da corixa, foi atirado n’água pelo burro em que estava montado. O animal, certamente, fora atacado pelas temíveis piranhas e, quando há sangue, as piranhas se enfurecem, reunindo-se em cardume para não deixar nada escapar. O animal picado – com a mordedura da piranha -, corcoveou e correu para a margem, deixando, certamente, o alferes-aluno entregue aos ferozes peixes.


Cândido Mariano recomendou que se providenciasse uma placa de bronze, no local onde se supunha ter perecido o alferes-aluno.


Encerrou-se, tragicamente, a vida tão preciosa de Francisco Bueno Horta Barbosa – até fisicamente era um belo rapaz -, vítima de seu excessivo desvelo no cumprimento do dever e da sua admirável dedicação ao bem-comum…


Em Forte de Coimbra – à margem do rio Paraguai – encontrava-se instalado o 25º Batalhão, tendo, como cabo, o ex-presidente da República Getúlio Dornelles Vargas.


Nos trabalhos em Aquidauana, tremendos obstáculos foram enfrentados, criados por fortes chuvas, pelos pantanais e pela falta de carretas; difíceis condições foram encaradas… tendo, como exemplo, ser necessário – às vezes – 30 homens para fincar um poste, durante três horas! -, quando a produção era de 100 postes, média diária. Os trabalhos não foram suspensos nem na data de 02 de novembro, Dia Dos Mortos.


Todas as datas cívicas não passavam despercebidas a Cândido Mariano; publicava ordem do dia, em comemoração, e providenciava habituais telegramas.


Numa noite infernal – pela quantidade de mosquitos, embora com mosquiteiros -, os animais de montaria passaram, à noite, em volta de suas redes e, um deles, veio se coçar na rede de Cândido Mariano, que se acordou, pensando tratar-se de onça. “A onça, dizem os vaqueiros, não ataca homem barbado, nem se atira à gente que dorme sob mosquiteiro, porque não sabe de que lado está a cabeça”.

O lema que norteou os trabalhos do grande sertanista, em relação aos nossos irmãos índios, era o seguinte: “Morrer se necessário for; matar nunca”.


No seu árduo trabalho, não se esqueceu de destacar sua mula Barétia, traquejada no sertão; tratava-se de mula crioula – com qualidade melhor que qualquer outra -, adquirida “na Fazenda Arrozal, em Mimoso, do fazendeiro Prudente Gonçalves de Queiroz”.


Em 1907, quando Cândido Mariano da Silva Rondon tinha o posto de major do Corpo de Engenheiros Militares, foi nomeado chefe da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas, incumbida de ligar Cuiabá-MT a Santo Antônio do Madeira-AM; posteriormente, rumo ao Acre, a primeira a alcançar a região amazônica. A partir de então, esse trabalho foi identificado como “Comissão Rondon”.


Paralelamente à implantação das linhas telegráficas – que abrangeu extenso território -, foram realizados valiosos estudos científicos, incluindo: flora, fauna, geografia e etnologia indígena.


“A Comissão Rondon construiu 2.270 km de Linhas Telegráficas e 28 Estações Telegráficas; realizou o levantamento de 50.00 km lineares de terras e de águas; determinou mais de 200 coordenadas geográficas; inscreveu na cartografia brasileira 12 rios até então desconhecidos e corrigiu informações sobre o curso de outros tantos”.


Comemorou-se no exercício de 2007, o centenário dessa epopeia, cujos trabalhos – grandioso e heroico – foram realizados entre 1907 a 1915.


Ainda, na citada Comissão, Cândido Mariano empreendeu, em 1913,

uma expedição com o ex-presidente dos Estados Unidos, Theodoro Roosevelt, à região Amazônica. É desse estadista, a frase: “A América pode apresentar duas realizações ciclópicas: ao Norte, o Canal do Panamá; ao Sul, o trabalho de Rondon – científico, prático, humanitário”.


Lembramos que o Canal do Panamá liga os oceanos Atlântico e Pacífico.

O renomado mato-grossense, ao longo da sua vida, fez brilhante carreira Militar, sendo, finalmente promovido, em 1955, pelo Congresso Nacional, a Marechal do Exército Brasileiro, aos 90 anos.


Faleceu no Rio de Janeiro, em 19/01/1958, aos 93 anos, sendo, seu corpo, velado no Clube Militar, com honras de chefe de estado.


Pelos 50 anos do seu passamento, foi providenciada missa na Catedral Metropolitana de Cuiabá-MT ao desbravador mato-grossense, conhecido internacionalmente. Em seguida, a Secretaria de Cultura – tendo à frente o Secretário João Carlos Vicente Ferreira, no Governo Blairo Maggi -, colocou cesta de flores no pedestal do seu busto, no Jardim Alencastro, e descerrou a placa, juntamente com o comandante do 44º Batalhão de Infantaria Motorizado, Cel. Antônio Jorge Dantas de Oliveira.


Em resumo, a respeito do Marechal Rondon, teríamos muita façanha a escrever, mas limitaremos com a frase de Camões: “ditosa Pátria que tal filho teve”.


* NILZA QUEIROZ FREIRE – contadora – do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso – da Academia Mato-grossense de Letras, Cadeira 14.



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