Sarita, uma homenagem póstuma
Deu tudo o que tinha de si: dedicação, disciplina, amor, ideal e humildade, características de todo bom professor
Sarita Baracat de Arruda encerrou a sua militância política aos 81 anos de idade, no ano de 2012. No entanto, em suas memórias, mantinha vivas as lembranças de tudo o que pôde realizar durante os anos em que exerceu os mandatos de vereadora, prefeita de Várzea Grande e, como deputada estadual, em Mato Grosso.
Fez o melhor que pode dando o que tinha de si: dedicação, disciplina, amor, ideal e humildade, características de todo bom professor e, da cidadã que acreditava na transformação social via educação para todos.
Ou ainda, por acreditar na capacidade do ser humano, não apenas em solidarizar-se, mas em agir e posicionar-se diante de injustiças sociais e das mazelas que acometiam os menos favorecidos socialmente.
Para ela, a semelhança entre o professor e a política é a vocação e assim dizia: “Se você tiver essa vocação, você realiza um grande trabalho como professor”. E “ser política também, necessita de vocação; “na política é assim. O fato de ser professora ajudou muito nas disputas eleitorais. Eu sempre tive muita humildade, tanto como professora, como política”. Por outro lado, a “política faz com que a gente se sinta viva, lutando para o bem-estar de todos. Nos dá ânimo para lutar pela comunidade, pelas pessoas, pela cidade, por aqueles que vieram a nos ajudar a construir essa cidade”.
Conforme afirmava Sarita, “a política representa muito em minha vida. Graças a política eu construí grandes relacionamentos de amizade e companheirismo. Quando o político trabalha com honestidade, com seriedade junto à população, isso reflete em seus descendentes e ajuda aos mesmos a galgarem os seus caminhos, a exemplos de meu filho Nico, minha irmã Aziza, meu irmão Rubens, meus sobrinhos e o meu neto Kalil Baracat”.
Não foram poucos os discursos feitos por Sarita em nome das pessoas de baixa renda reivindicando urbanização nos bairros, escolas e creches para os adolescentes e as crianças.
Não se acanhava diante das vozes negativas e dos projetos não aprovados em prol das causas que acreditava e defendia. Falava em nome de seu partido, mas não só. Falava pelos menos favorecidos. Falava pelas crianças. Falava pelas mulheres. E não se calava.
Sarita não lutou apenas para a emancipação das mulheres, lutou por si, por seus pais imigrantes, por seus filhos e descendentes. Os Zain Baracat, pais de Sarita, exerceram influência sobre os filhos em muitas dimensões e a política, foi uma delas, pois “a minha família me preparou para isso”. E ela colaborou com seus irmãos, irmã, filhos, sobrinhos, na política e, agora, o neto.
A paixão pela política surgiu nos bancos escolares, onde começaram os discursos contra o presidente Getúlio Vargas e, depois a favor da redemocratização do pais. “Enquanto vida tiver, vou continuar lutando pelos meus conterrâneos”. Talvez com estas palavras Sarita quisesse nos dizer algo mais.
Possivelmente, nos diria ainda, que permanecerá para além dos tempos em sintonia com Várzea Grande, lugar escolhido pelos seus pais e avós que saíram da Síria e do Líbano e cruzaram águas mais caudalosas e mais profundas para chegar até a América do Sul e Brasil, nos últimos anos do final do século XIX.
E ao buscarmos em Sarita, algo a mais que pudesse dizer-nos sobre sua vida e seus descendentes, ela ainda nos surpreende com as palavras: “Pretendo continuar... pretendo sentir-me viva, lutando para o bem-estar de todos e pela minha querida Várzea Grande! ”. São palavras sinceras, ao mesmo tempo, desafiadoras, que nos levam a pensar de forma recorrente, sobre o que fez um dia, e ainda faz, Sarita sentir- se “viva”? Por quem e por quais causas lutou? Ou, parafraseando o título de uma das obras clássicas do escritor espanhol, Ernest Hemingway, perguntaríamos, “Por quem os sinos dobram”, Sarita?
Rever sua vida é notar que Sarita lutou ardorosamente para manter ao lado dos pais, os valores familiares que lhe foram repassados e recria-los em terras estrangeiras.
Cresceu em meio às adversidades de espaços sociais novos, a cada deslocamento geográfico direcionado pelo pai no gerenciamento de negócios da família: ora no Brasil, ora na Argentina, que lhe valeu o desenvolvimento de uma apurada perspicácia e intuição para lidar e perceber as facetas do ser humano e ao mesmo tempo, como lidar com elas.
Nesse movimento da vida, foi crescendo e engajando-se no enfrentamento das lutas. As lutas foram uma constante em sua vida.
Lutou para estudar. Lutou para conquistar seu espaço na vida. Lutou por seu pai. Lutou por todos aqueles imigrantes estrangeiros que um dia foram impedidos de votar neste país.
Lutou pela igualdade dos direitos humanos. Lutou pelas mulheres saírem de sua casa e avançarem os sinais. Nada parecia conter esta mulher que saia de casa com seus filhos ainda pequenos, com a certeza de que lutava também por eles. E Sarita foi sempre além pois sabia que desafios não lhe faltavam.
Menina ainda, teve que esperar os irmãos Eda e João crescerem para frequentar as escolas na Capital. Ela e os irmãos, faziam a pé o trajeto de Várzea Grande até o Colégio Estadual de Mato Grosso, em Cuiabá para concluir os estudos ginasial e secundário.
Isto porque, àquela época, não havia veículo disponível para essas atividades, fato este que marcou muito a sua vida.
Tornou-se professora e diretora do Grupo Escolar Pedro Gardés, em Várzea Grande, onde realizou sua formação educacional, as primeiras séries (1ª a 4ª) em 1946, hoje Escola Estadual de 1º e 2º Graus Pedro Gardés.
Sarita Baracat de Arruda, diferenciava-se como professora. Titular das cadeiras de História e Organização Social e Política do Brasil (OSPB) ao adotar como método de ensino “aulas ao vivo”, ou seja, levava os alunos na Câmara Municipal de Várzea Grande e na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso para vivenciarem os problemas das cidades.
Sarita seria uma desses personagens históricas que tinha “uma boa estrela”, brilhava. Construía ações e, sabia discernir o momento certo de intervir, de liderar situações a que era solicitada.
Muito jovem, aos 23 anos de idade, Sarita Baracat, ingressou na política várzea-grandense em 1954, como presidente da ala feminina da União Democrática Nacional (UDN) e foi secretária desse partido, entre os anos de 1958 a 1964 e, delegada em partido junto a justiça eleitoral, de 1954 a 1964.
Aos 26 anos, Sarita Baracat foi eleita a primeira vereadora, da Câmara Municipal de Várzea Grande (1957 a 1961), pela UDN. Primeira secretária da Mesa da Câmara, em 1961. Líder do partido de oposição e, presidente da Comissão Executiva Municipal da Aliança Renovadora Nacional (Arena), em 1966. Foi a primeira prefeita de Várzea Grande, de 1967 a 1970 e deputada estadual, de 1979 a 1983, após a divisão do Estado de Mato Grosso.
Há apenas 35 dias para as eleições do ano de 1966, da Prefeitura Municipal de Várzea Grande, o coronel Ubaldo Monteiro da Silva, então deputado estadual, desistia de sua candidatura à prefeitura e alegava problemas particulares.
E Sarita, ao entrar para a campanha sem a preocupação em ganhar, acabou sendo eleita. Se “apenas queria participar e esperar o resultado, e se perder, também, fazia parte”, como afirma, podem ser alguns dos componentes da trajetória de uma estrela que tem brilho próprio.
E, ao eleger- se deputada estadual para o mandato de 1979-1983, pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), com 5.949 votos, nada mais conquistou do que o lugar de primeira mulher parlamentar eleita após a divisão do estado de Mato Grosso. Foi, nesse pleito, a quinta mais votada no Estado.
O matrimônio de Sarita Baracat com Emanuel Benedito de Arruda, também dedicado à vida pública como vereador que foi da Câmara municipal de Várzea Grande e amante de futebol, reafirma-nos o lado da mulher Sarita apaixonada pela política e revela-nos sua paixão, não escondida, pelo esporte, no caso o futebol.
Conhecido como "Caboclinho", Emanuel Benedito percorreu os campos da política e do futebol, e fez parte do time “Operário Várzea-grandense”. Emanuel Benedito de Arruda atualmente é nome de uma escola no bairro Santa Maria, em Várzea Grande, desde 2008.
Em meio tanto ainda a se discutir, poderíamos finalizar destacando que, diante de tantas e variadas mulheres que enfeixam a vida de Sarita Baracat de Arruda, podemos certamente avaliar por quem e por quais causas lutou esta mulher.
E, então, em voz uníssona, poderemos dizer: os sinos se dobram por você, Sarita.!
NEILA BARRETO é professora, jornalista, pesquisadora, escritora, mestre em História pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).